Onde Desce a Luz de Estrelas Mortas

Martin clareou. Suspeitava que, de alguma forma, fosse condicionado a procurar corpos brilhantes. Olhava o céu quando em apuros; se estivesse de noite, encontrava sossego nas morosas e solitárias estrelas. Mas se estivesse de dia, seus olhos ardiam em agonia calorosa, e não conseguia mante-los focados na luz. Acabara de encontrar aquele corpo, celeste, áureo, confortante. E quando ela se aproximou vagarosa, sua incidência amarela incendiou-o sem deixar queimaduras. Com um brilho forte de um pequeno sol.
Seus vários seguidores revelavam sua trajetória quanto estrela, nas sombras, onde sua luz não os alcançava. Diziam as pobres línguas iludidas,que a bela estrela cantava.



Na janela, silenciosamente, com sorriso esticado, garganta definida e altas cordas exibidas. Quem passava por ali, admirava seu brilho, cegava-se em luz e sentia o corpo mover voluntariamente numa grande valsa silenciosa.
Perturbado por não ouvir som algum vindo da moça, Martin perguntou então a um fanático dançarino, que em meio aquele caos, rebolava o quadril totalmente seduzido:
— Vê aquela pequena dançarina? Consegue ouvir alguma coisa?
— Tu não ouves? Encontrei-a perdido em surdez e agora estou contagiado! Eu via tais belos acordes formados em seus seios, subirem a garganta, chegarem ao ar. Primeiramente achei-me surdo. Oras, uma bela performance corporal, há de algum som exclamar! Forcei-me a escutar. . Exclui os pássaros, os grilos, os sapos. A melodia formava-se, mas ainda não se definia. Apaguei os problemas, os amores, as coisas queimando. Abracei-me. Quando a pequena luz dourada, feita de notas, adentrou-me perdição, surgi em metamorfose, olhei para trás e a estrada estava longa. Olhei para frente e o tempo, perdido o referencial, parou de mover. — Ele respondeu. Seus olhos queimados e arregalados, contraiam suas pupilas instáveis enquanto dava depoimento. "O primeiro a ficar louco" ele pensou.
Embalava o dia, o baile animava. Quem passava por ali, via-a cantando formosa sem emitir som e não compreendia. Como poderia? Tanta gente dançava a sua ópera! Para pouparem-se, saiam correndo, empurravam todos, entravam na roda e dançavam divinamente. De seu interior, fagulhas emocionadas despejavam mensagens para todas as partes do corpo: Rebole! Chocalhe! Balance! Era a festa instintiva acendida por um som que não existia, ou pelo menos não saia da jovial cantora.
Desde sempre cadente, a estrela acostumada no silêncio, fazia música de onde não saia som. Acostumados ao barulho da vida, quem dançava olhava o silêncio majestoso e de barulho nenhum preenchiam com a música que tanto queriam ouvir. Mudos e surdos, eles cantavam e dançavam.
A festa prolongou-se em delírio, suor, ilusão. Até que alguém consumido pela paixão, ouviu uma música sair do chão. Uma nota simples, cantada do pé de um dançarino surdo. A pura alma gritou. Ao ouvirem pela primeira vez uma música que vinha do coração alheio, nas sombras da estrela, todos entraram em colapso.
A estrela silenciosa ao ouvir uma canção que não a pertencia, desabou no solo. Por um momento antes que a luz apagasse, todos viram como o virar de uma página: suas costas nuas eram escuras como as de trem. Pouco se importavam agora para o silêncio sem brilho. Passaram pelo seu trilho e ela foi pisoteada pela comovida loucura.
Ofegante, confuso e perto do desespero, Martin parou no meio do salão quase vazio e tentou acalmar a mente. Fechou os olhos, e ouviu uma música vindo do chão. Engatinhou em sua direção, a música morosa e triste ia ficando mais alta a medida em que se aproximava. Aquilo preencheu seu coração. Seu corpo não sentia vontade de dançar, não sozinho. Era como um convite não declarado, que o incendiava e ardia confortavelmente. Passou a mão pelo chão gelado e de repente encontrou uma mecha de cabelo. Seguiu o caminho pelos fios até encontrar a estrela encolhida em sua música. Quando ela voltou-se para si e ouviu a si mesma, ela cantou pela primeira vez. Não confiando nos olhos ele cedeu as pálpebras para encontrar a verdadeira luz, e a ouviu na escuridão. Seu brilho celeste agora ficava mais forte e chamava-lhe tanta atenção quanto suas irmãs no céu. No baile de egos, alguém rompeu o silêncio e cantou. Ninguém viu de onde vinha, e por isso todos enlouqueceram.

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