Mensagem na Garrafa

Eu acordava todas as manhãs um pouco antes da alvorada. Saia de canoa para a Enseada das Tartarugas e, vez ou outra, encontrava uma garrafa de rum presa nos corais. Dentro, pergaminhos contavam histórias de um velho naufrago, que permaneceu na ilha e fez amizade com as anciãs cascudas que lá habitavam. Sabia ele, que suas pegadas deixadas na praia seriam lavadas, que o único rastro de sua existência resumiria-se às palavras ditas em cartas, destinadas ao mar, que às minhas mãos sujas de peixe chegara. Estaria ele bêbado para então confiar sua memória a mim? Talvez. A garrafa era a mesma, embora novas mensagens chegassem de tempos em tempos. Qual delas teria sido escrita à luz de uma sanidade dúbia? Como um homem naufragado gastaria sua ultima garrafa de rum? Embora eu não soubesse apontar quais eram as palavras, sabia que seriam  lambuzadas de delírio. 

Nas manhãs em que eu recebia noticias daquela história antiga, remava até um ponto perto da costa onde os coqueiros faziam sombra na água cristalina; armava a linha, deitava-me na canoa e enquanto esperava a presa ser fisgada, abria os pergaminhos para descobrir de onde viera as inspirações do velho naufrago. Suas histórias eram nubladas e nunca se passavam na ilha, embora eu soubesse que ali ele as escrevera, como revelara na primeira carta. Embora houvesse uma garrafa de rum, todas as palavras que eu lera até então refletiam a mente de um homem embriagado. Não de rum no entanto, aquelas palavras haviam nascido em sangue, água e sal. Estavam sempre banhadas em lágrimas, e seu autor, sempre embriagado. Senão de rum, de poesia e virtude. Um velho beberrão com eu reconheceria o cheiro de cana de açúcar no papel... Até então, a garrafa ainda deveria estar cheia, somente esperando o velho naufrago ficar sóbrio.


"Para não sentirdes o fardo horrível do tempo, 
que vos abate e vos faz pender para a terra,
é preciso que vos embriagueis sem tréguas.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude,
como achardes melhor. 
Contanto que vos embriagueis."
- Charles Baudelaire

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